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quinta-feira, 3 de maio de 2012

Entendendo o outro


DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 29/04/12


Nada melhor do que não ter nenhuma responsabilidade pessoal e ter a quem culpar por tudo que ocorre de ruim 


Depois que a psicanálise ficou ao alcance de todos, os filhos deitaram e rolaram nos divãs para falar mal do pai e da mãe; sempre com razão, aliás, e sem o menor resultado, aliás também.

Quem são os culpados dos sucessivos casamentos que não deram certo? Os pais, é claro. Ou porque não tiveram a coragem de se separar, mesmo vivendo mal, ou porque se separaram, o que pode ter sido visto como modelo a ser seguido.


Se a mãe foi uma mulher resignada, dominada pelo marido, que não lutou por sua independência nem procurou o seu caminho, a filha pode se tornar uma adulta igual ou virar o oposto: uma vadia que troca de homem como se troca de camisa.

Se essas filhas tiveram um pai que era um marido exemplar, podem passar a vida perseguindo a imagem paterna ou, ao contrário, um grande cafajeste, para serem diferentes da mãe. Culpa de quem? Nem é preciso dizer.

Já se o pai foi um derrotado que passou a vida infeliz no mesmo emprego medíocre para dar segurança à família, os filhos podem no futuro ser ou exatamente iguais ou fazer qualquer coisa para ganhar um dinheiro fácil, e terminar até na cadeia. Em qualquer dos casos a culpa foi, é e será, sempre, dos pais.

Já virou clichê o filho que passa a vida se lamuriando porque a mãe não contava histórias na hora de dormir, e cujo pai nunca perguntava pelas notas do colégio quando chegava do trabalho, e ai daqueles que saíam para uma festa quando os filhos tinham uma febrinha.

Esses passam a vida sofrendo, e sem razão, pois nada melhor do que não ter nenhuma responsabilidade pessoal e ter a quem culpar por tudo que acontece de ruim. Mas nunca nenhum deles parou para pensar como foi a vida desses pais quando crianças. Como foi a infância deles? Feliz, traumática, triste, infeliz? Terão eles recebido carinho dos seus próprios pais? Os analistas não costumam abordar o assunto.

Houve um tempo -algumas gerações atrás- em que as crianças, quando faziam uma coisa errada, apanhavam. Quando pequenas levavam palmadas; já maiores, surra de cinto. Hoje, ai dos pais que perdem a cabeça e cobram boas notas do colégio ou levantam a voz.

O caminho é só um: arranjar um psicólogo que as crianças frequentarão três vezes por semana, além da reunião de família semanal, com o pai, a mãe, a atual mulher do pai e o atual marido da mãe. Reuniões desse tipo não costumam acabar bem, claro.

As crianças modernas não estão interessadas em entender as razões que levaram suas mães e seus pais a serem menos amorosos ou carinhosos; elas nunca pensaram que a mãe, com 30 anos, mesmo adorando os filhos, às vezes sufocava quando via um homem atraente, e que quando assistia a um filme romântico voltava para casa querendo mandar tudo para o espaço e ir para algum lugar no mundo onde encontrasse um homem que a olhasse como uma mulher ainda desejada.

Essa mãe não conseguia nem ao menos entender o que se passava dentro dela; ficava tudo muito confuso, e naqueles tempos não havia analistas para explicar o que estava acontecendo (e se já existissem e explicassem, também não resolveria). E qual o pai que um dia, mesmo amando apaixonadamente seus filhos, não pensou que talvez ainda fosse muito jovem para tantas responsabilidades, e que teria sido melhor se tivesse se casado um pouco mais tarde?

Ninguém quer compreender as razões do outro, e ninguém está interessado em saber se seus pais tiveram, dos seus pais e mães, o que gostariam de ter tido.

Porque os pais e mães de nossos pais e mães também tiveram as suas razões, e o mundo foi, é e será assim para todo o sempre -e amém.


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